quinta-feira, setembro 29, 2005

Pavilhão Multi-Usos - opinião antiga ... mas actual

ÁGUEDA – Equipamentos Desportivos e Opções Políticas
- * a propósito de um “pavilhão multiusos” [1]

O concelho de Águeda caracteriza-se por uma dinâmica de associativismo desportivo que mobiliza para a prática das Actividades Físicas e Desportivas (AFD’s) um número alargado de cidadãos, em diversas modalidades e contextos. Possui história e tradição desportiva ao longo dos anos e através das mais diversas manifestações desportivas. Toda esta actividade em torno do fenómeno desportivo carece quanto a nós de uma análise e reflexão quando se perspectivam definições em termos de equipamentos desportivos públicos, nomeadamente através da intervenção do seu município.

POLÍTICA DESPORTIVA – uma necessidade

Para uma clara definição da intervenção na área das práticas das AFD’s há que explicitar uma orientação de finalidades e objectivos. Sem esta definição, as contradições, desencontros e protestos, possuem toda a legitimidade. Do ponto de vista conceptual, uma política desportiva municipal tem que deixar claro se pretende motivar os seus cidadãos para “desportistas de bancada” ou antes para praticantes activos independentemente da sua idade, aptidão, sexo e classe. O que está em causa é uma questão muito simples. Ou se pretende facultar aos cidadãos interessados os benefícios da prática das AFD’s (a nível da saúde, bem-estar, aptidão física, convívio, etc.) ou fomentar uma atitude passiva e contemplativa das AFD’s. É nosso entendimento que as AFD’s possuem hoje um valor para a totalidade da população, alicerçado na visão de uma prática com benefícios generalizados ao nível da aptidão física, saúde, bem-estar e qualidade de vida.
Compreendemos que os tempos que vivemos são para alguns de “desportistas de sofá”, mas os valores, as razões, as características das AFD’s estão fortemente vinculadas à sua prática e fruição numa busca de prazer e satisfação pessoal capazes de proporcionarem a elevação da aptidão física, da saúde, bem-estar e da qualidade de vida.
Numa lógica de intervenção coerente as autarquias locais devem assumir que a sua política é de comprometimento para com a totalidade dos munícipes e que uma política desportiva, não se pode confundir e/ou reduzir à atribuição regular de subsídios financeiros, apoio a manifestações desportivas com maior ou menor cobertura televisiva, ou um qualquer “happening” desportivo. Esta perspectiva pressupõe que as AFD’s devem ser vistas como tendo uma dimensão plural, que não se esgota numa prática dirigida exclusivamente para os mais jovens, para os mais aptos, ou em contextos organizacionais formais. O facto de hoje as AFD’s terem o impacto social que possuem, liga-se também, a uma percepção abrangente das suas práticas sem exclusões de qualquer natureza. Uma política de desenvolvimento desportivo tem de contemplar assim, a totalidade das “pluralidades desportivas” em função de prioridades definidas e/ou opções políticas assentes em razões de racionalidade técnica devidamente fundamentadas.
As AFD’s são um bem social que adquire significado através da sua prática empenhada e participante e nunca via diferida quer seja através da leitura de jornais desportivos ou como mero espectador passivo e atento. Ninguém pode querer formar “desportistas de bancada”, por muito bem comportados que sejam...

EQUIPAMENTOS DESPORTIVOS – definir prioridades

As infra-estruturas desportivas caracterizam-se por ser equipamentos cujo investimento deve ser avaliado em função do seu potencial de utilização e adequação no apoio ao desenvolvimento das práticas das AFD’s. Na maioria das situações o investimento em equipamentos desportivos, não se encontra justificado em opções de políticas desportivas claras e coerentes. Assim sendo, torna-se imprescindível obter consensos entre os intervenientes nos fenómenos desportivos, relativamente a concepções, políticas, prioridades, faseamento de acções e iniciativas. Os investimentos realizados sem o apoio de estudos que garantam a sua rentabilização desportiva, implicam riscos de estarmos perante a criação de “elefantes brancos”. Falemos claro. Qualquer política de equipamentos desportivos não pode ser implementada independente das dinâmicas locais de participação desportiva. Não poucas vezes, os investimentos públicos são realizados sem o apoio de estudos que garantam prospectivamente a sua rentabilização desportiva. Assim, qualquer política de estímulo ao desenvolvimento desportivo carece de raízes sólidas em termos de equipamentos desportivos. Que se estruturam em função da maior ou menor número de zonas verdes e espaços públicos; da obrigação de todas as urbanizações disponibilizarem espaços de acordo com a sua previsível densidade habitacional; da construção e conservação de pequenos e polivalentes espaços de multiactividades; da construção e conservação de espaços e parques infantis; da multiplicação de espaços polivalentes pelas freguesias do concelho, garantindo a acessibilidade à prática das AFD’s; de uma criteriosa e eficaz política junto das escolas do 1º ciclo do ensino básico, equipando-as com condições materiais para as aulas de Educação Física e demais práticas pelos seus alunos; da concepção e montagem de circuitos de manutenção que possam dar resposta a práticas de AFD’s indiscriminadas; da definição de circuitos velocipédicos que proporcionando segurança, honrem a tradição da indústria de duas rodas em Águeda. O que está em causa é conceber, planear e desenvolver uma verdadeira política de equipamentos e instalações desportivas, que aproxime Águeda dos valores de 4m²/habitante como padrão recomendado pelo Conselho da Europa, em termos de espaços e equipamentos desportivos. Portanto, defendemos que uma política de espaços e equipamentos de apoio às AFD’s se inicia com o passeio à porta de casa, com os espaços envolventes das edificações, com os pequenos espaços, com as zonas de lazer (evitando por exemplo o “assassinato público” do Parque do Souto do Rio como zona verde), com os jardins, com os espaços lúdico-desportivos infantis, com campos de pequenos jogos, com espaços polidesportivos, com os tanques de aprendizagem de natação, com salas de desporto e só depois com os pavilhões, as piscinas, os estádios, os complexos desportivos, pavilhões multiusos e cidades desportivas.
Os espaços e equipamentos desportivos devem obedecer a critérios de necessidade justificada pela actividade, faseados no tempo e prevendo elevados índices de utilização e polivalência de actividades.

CONHECIMENTO DA REALIDADE DESPORTIVA - fundamental

Uma política de equipamentos desportivos, não pode ser definida sem uma auscultação da oferta e procura das práticas das AFD’s. Tal constitui-se como um bom indicador de necessidades e carências.
O que se conhece sobre as AFD’s e a sua prática no concelho de Águeda?
Que estudos foram realizados? Como se caracteriza a utilização dos equipamentos existentes? Quais os equipamentos desportivos que têm uma taxa de ocupação superior a 50% do seu potencial horário? Quais as carências de equipamento e material desportivo das escolas do 1º ciclo do ensino básico do concelho? Quais as práticas mais pretendidas pelos praticantes? Quais as carências de espaços e equipamentos identificadas pelos clubes e associações? Que possibilidades existem de articulação com os equipamentos desportivos escolares? Em situação de eventual investimento em infra-estruturas desportivas, quais são os cenários de rentabilização desportiva desses equipamentos?

Uma política de investimento em equipamentos desportivos não se pode desligar de opções de desenvolvimento desportivo. Devem caminhar em paralelo, surgindo as prioridades de equipamentos e instalações de acordo com as dinâmicas de participação e vinculação desportiva.
Se hoje quase só vale o “desporto que dá na televisão” somos claramente pelo “desporto vivido”, por aquele que se sente, que proporciona benefícios, pela real vinculação e prática sistemática.
As AFD’s desenvolveram-se ao longo dos tempos para serem vividas e não só contempladas. É nesse sentido que emitimos opinião contra os equipamentos desportivos como “templos de contemplação” e alternativamente entendemos ser imprescindível apostar nos espaços e equipamentos de real utilização intensiva, beneficiando a maioria dos cidadãos na sua vinculação com a prática das AFD’s. De acordo com estudos de 1987 Portugal tem uma das mais baixas taxas de participação desportiva – 27 em cada 100 portugueses possuem actividade desportiva. Quando comparada com os 34 de Espanha, os 74 de França e os 77 da Alemanha e Bélgica, temos uma ideia do caminho a percorrer no sentido de criar condições objectivas para uma maior participação desportiva.
Julgamos que Águeda e a sua atractibilidade em termos de qualidade de vida também passam pela quantidade e qualidade dos espaços e equipamentos disponíveis para a prática das AFD’s, independentemente da sua localização no todo concelhio.
Esta breve reflexão, mais não pretende do que ser mais um contributo para a discussão alargada de algo marcante numa política desportiva municipal, como é a questão dos espaços e equipamentos desportivos.


Águeda
Novembro/98
Rui Neves


[1] Publicado in REGIÃO DE ÁGUEDA 20.11.98

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