Que Águeda 9 anos após?
O texto que abaixo se transcreve foi publicado no ano de 1999 no semanário Região de Águeda, como depoimento pessoal. Como o "tinha perdido" entre PC e ficheiros word, lanço-o agora na blogosfera. Colocando algumas questões. Como estamos, passados 9 anos? Que actualidade mantêm as questões ali abordadas? Que respostas foram desenvolvidas?
ÁGUEDA - o direito à memória e a “betonização” da cidade
A memória de uma comunidade não se encontra apenas nos seus registos escritos, documentos ou memórias orais. As suas características são também resultado construído de percursos de vida partilhados e vividos num certo espaço e tempo. Em que a sua cultura não se traduz apenas pelo seu nível de formação, mas antes pela sua identidade e reconhecimento de uma maneira de ser própria. Uma forma de ser que se constrói ao longo do tempo. Que não surge do nada, antes traduz uma relação entre pessoas num espaço e num tempo. É talvez por isso, que a memória colectiva tem profundos alicerces na nossa infância, arrasta muita da nossa espacialidade dos lugares, ruas e edifícios. Não existe memória dos espaços que não se alicerce na percepção grande e ampla que a partir da nossa infância nos ajuda a criar um laço, uma ligação com os metros, os cantos, as árvores, as esquinas, as ruas, os lugares a que sem por vezes sabermos explicar, nos sentimos ligados.
O Adro da Igreja de Águeda parece hoje bem maior do que na minha infância, mas perdeu todo a sua força e esplendor pelo facto de o terem transformado num mero parque de estacionamento. A beleza do nosso Rio Águeda, o prazer do contacto com o meio aquático, a descoberta das primeiras braçadas, são indissociáveis da percepção de um caudal de rio limpo e despoluído. Onde dê prazer não só olhar, mas mergulhar e sentir a frescura das suas águas. A Venda Nova como um núcleo urbano característico traduz uma forma própria de viver e fruir os espaços, que perdeu todo o seu carácter (onde pára o chafariz ?).
Todos os espaços são espaços de referência pela sua utilização, fruição e recordações associadas por cada um de nós. O papel da memória dos espaços não se reduz a uma questão estética. Muito menos a uma visão de mera preservação arquitetónica das fachadas, dos edifícios e/ou espaços. Os espaços constituem-se como referências fundamentais do nosso viver, do nosso sentir dos lugares. Não há memória possível sem referências espaciais que nos façam retornar ao significado de cada espaço na memória individual e colectiva.
A identidade colectiva também está nos espaços que constituem as referências principais na vida de uma comunidade, que a fazem relembrar factos e feitos. Há hoje uma clara sensação de perda em Águeda, relativamente à questão urbana e patrimonial. Parecem não existir preocupações centradas num espírito de preservação do que possa constituir-se como referência do passado. O crescimento urbano da cidade está a ser feita à custa da sua memória de espaços, edificações e referências. Ao mesmo tempo que a cidade parece estar condenada a estruturar-se urbanamente como um aglomerado de fortificações, em que o seu crescimento é invariavelmente na direcção do seu “umbigo”. Numa lógica como esta de ausência de “rasgar” da cidade, é inevitável que centrando o seu crescimento continuadamente na mesma zona, em torno dos mesmos eixos urbanos, o caminho é o do incremento da sua betonização acelerada. Mas, perguntarão alguns. Que mal tem isso ? Edifícios em altura não são sinónimo de uma grande urbe ? A massificação urbana não traduz a presença de pessoas e movimento ? Uma cidade em crescimento não se reflecte no seu ritmo de edificação ? Assim poderia ser se em complementaridade pudéssemos observar outras áreas de crescimento e desenvolvimento. Se fosse possível constatar perspectivas para onde a cidade crescesse. Se alternativas houvesse de descentrar a cidade, não só a partir das vias públicas, mas também da localização de equipamentos sociais ; diferentes instituições públicas ; acessibilidades e circulação automóvel ; novas zonas verdes ; de espaços de encontro e convívio social ; de áreas pedonais com vida própria ; de espaços de jogo para as crianças e jovens ; de parques de jogo aventura para as crianças ; zonas de estacionamento automóvel. Águeda não pode continuar a crescer em termos urbanos na direcção da Praça do Município e da Avenida Dr. Eugénio Ribeiro, sob pena de perder oportunidades de expansão que a equilibrem e a transformem numa média cidade atraente e capaz de proporcionar qualidade de vida e bem estar aos seus cidadãos. Estas preocupações penso que devem ser de todos : decisores políticos, técnicos, empreendedores, cidadãos, sob pena de hipotecarmos possibilidades de qualificação da cidade com que todos temos a ganhar. É uma questão que diz respeito a todos, porque todos vamos viver nesta cidade, é esta cidade que vamos legar às próximas gerações, mas principalmente porque as decisões ao nível do urbanismo são quase eternas e de difícil rectificação quando os erros são observados.
Quanto ao caso Quinta da Paulicêa não sei, não tenho dados suficientes, não me sinto capaz de emitir um juízo de valor fundamentado sobre a questão. Mas sinto e tenho a profunda crença de que mais importante que essa questão é toda a política de desqualificação e descaracterização da cidade a que todos assistimos, ao longo dos anos. Uma cidade que não preserva a sua memória é potencialmente uma cidade sem futuro. Como cidadão interessado e preocupado, quero crer que Águeda tem futuro como cidade. Saibamos nós, tirar partido, por exemplo da excelente caracterização realizada pela equipa do Plano Estratégico do Concelho de Águeda e reflectir sobre as propostas já apresentadas. Que são propostas para a qualificação da cidade, especificamente as que constam dos capítulos II – Uma cidade atractiva como factor de dinamização do concelho -, V – Valorizar o património natural, cultural e histórico- que traduzindo opiniões recolhidas apontam de uma forma estruturada muito do potencial de desenvolvimento urbano de Águeda. Esperamos que muito daquilo que a referida Equipa propõe, não fique na gaveta, não seja esquecido. É possível crescer e desenvolver sem destruir as memórias espaciais que são referências fundamentais de Águeda. O passado de Águeda merece-o. O futuro de Águeda, agradece reconhecidamente.
Águeda
Novembro/99
Rui Neves
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