Educação Física no 1º Ciclo Ensino Básico - a nossa dama
O texto que apresentamos foi publicado no jornal "A Página da Educação" (edição on-line e em papel) em 2002, como tomada de posição sobre uma situação em Lisboa ...
Esperamos que a história não se repita em Águeda, 3 anos depois.
Vamos a ver ...
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Educação física nas escolas do 1º ciclo de Lisboa - Oportunidade de negócio ou baldio pedagógico?
Acabámos de conhecer as características da próxima intervenção da Câmara Municipal de Lisboa na área de educação física nas escolas do 1º Ciclo do Ensino Básico do concelho de Lisboa. De acordo com a informação disponível será “concessionada” a uma empresa privada que intervirá com base num programa de Ginástica.
A Educação Física (EF) nas escolas portuguesas é hoje uma questão de formação, de saúde e de cidadania. De formação pelo seu papel ao nível da formação de crianças e jovens em termos de estimulação e desenvolvimento das suas capacidades motoras, sócio-afectivas e cognitivas. De saúde face ao papel que o movimento assume na nossa vida e à necessidade de manter um estilo de vida activo que se ganha pelos hábitos, atitudes e práticas desenvolvidas na escola. Não é mais possível dissociar hoje, uma vida activa da elevação de níveis de bem estar, saúde e qualidade de vida. De cidadania porque é a EF que pode proporcionar a todas as crianças e jovens uma diversidade de Actividades Físicas e Desportivas (AFD’s) a que algumas dificilmente teriam acesso. É a partir das actividades realizadas na EF que muitas crianças e jovens realizam aprendizagens que as fazem gostar, desejar aprender mais e vincular a uma prática regular das AFD’s ao longo da vida. A importância social e cultural das AFD’s exige condições para que todos a elas acedam independentemente das suas características individuais e sociais.Acabámos de conhecer as características da próxima intervenção da Câmara Municipal de Lisboa (CML) na área de EF nas escolas do 1º Ciclo do Ensino Básico (CEB) do concelho de Lisboa. De acordo com a informação disponível será “concessionada” a uma empresa privada que intervirá com base num programa de Ginástica. Um imperativo de consciência cívica e profissional, impele-nos a manifestar opinião, sobre os seus fundamentos de natureza pedagógica e científica. A nossa atitude é um misto de espanto, indignação e revolta. De espanto perante a completa desfaçatez com que se projectam iniciativas com estas características transformando uma área curricular, numa “oportunidade de negócio”. A EF no 1º CEB inicia uma área do currículo que acompanhará cada criança até ao 12º ano de escolaridade. As suas finalidades educativas não se confundem nem com a animação desportiva, nem com a busca e detecção de talentos desportivos. Esta área curricular visa promover o gosto, o prazer a satisfação de TODOS os alunos pela vinculação às diversas AFD’s, socializar a uma cultura motora onde as aprendizagens motoras se ligam com as atitudes e comportamentos suportados em valores ético-desportivos intrínsecos à sua prática. Como podemos atingir tais finalidades colocando uma área curricular na “alçada” de uma empresa ? Como podem “monitores desportivos” intervir no quadro institucional do currículo da escola do 1º CEB ? Como podem os professores do 1º CEB ser afastados da intervenção nesta área junto dos seus alunos ? De espanto perante o ignorar e desprezar de um trabalho anterior de supervisão e apoio à área de EF realizado por profissionais de EF e professores do 1º CEB ao longo de 12 anos com carácter regular e de forma sustentada (regularidade das aulas de EF, actividades de complemento curricular, políticas de recursos materiais, formação de professores, tarefas de supervisão pedagógica, organização de festas desportivas, convívios). Que avaliação foi feita deste trabalho ? Com que indicadores se renega o trabalho desenvolvido ? Como se pode substituir o trabalho de professores de EF e do 1º CEB junto dos seus alunos, por “monitores” ? De espanto perante o desconhecimento do programa da área de EF neste nível de escolaridade. Ele caracteriza-se por blocos programáticos baseados no eclectismo e diversidade de acordo com o desenvolvimento motor dos alunos. As suas finalidades e objectivos são os da participação e inclusão de todos os alunos, visando a sua evolução e não o “despertar de vocações” ou a “selecção dos melhores”. Valorizar uma actividade – a Ginástica – contraria toda a filosofia educativa do programa oficial em vigor. Como é possível uma autarquia local definir o currículo de uma área na escola do 1º CEB ? Como pode a decisão de um autarca-presidente e/ou autarca-vereador determinar a natureza do trabalho profissional dos professores do 1º CEB ? Como podem as autarquias locais em nome das suas competências de intervenção no âmbito dos recursos materiais das escolas do 1º CEB, pretender ir para além disso ? Onde pára o poder científico e pedagógico dos Agrupamentos de Escolas ? Onde pára o poder científico e pedagógico das escolas do 1º CEB ? Onde pára o poder científico e pedagógico dos seus professores ? Quando e como intervém a Inspecção Geral de Ensino sobre estes disparates no apoio às escolas do 1º CEB ? Que tem a dizer sobre esta questão claramente curricular o respectivo Centro de Área Educativa ? E a Direcção Regional de Educação ? E o Ministério da Educação ? Em Portugal data de 1875 a proposta de lei que considera obrigatória a disciplina de EF no ensino primário. As suas práticas ao longo dos tempos têm carecido de regularidade e consistência, caracterizando-se pela heterogeneidade das suas práticas. Desde 1992 esta área possui um programa oficial em vigor que tem sido o suporte de desenvolvimento de políticas de formação de professores em Universidades e Institutos Politécnicos, de políticas de apoio à EF no 1º CEB de autarquias locais (ex : CM do Seixal, CM Oeiras, CM de Condeixa e muitas outras), da dinamização de centenas de acções de formação na área de EF para professores do 1º CEB no âmbito do programa FOCO. Por isso pretender implementar um currículo diferente da área de EF na capital do país é afrontar todo o trabalho de formação e desenvolvimento da área de EF. Deste modo entendemos que todas as experiências educativas de apoio ao desenvolvimento da EF em Portugal na escola do 1º CEB não podem ser amesquinhadas e lançadas para o caixote do lixo da Educação em Portugal. As crianças das escolas do 1º CEB caracterizam-se por fortes necessidades de movimento, por estarem num período crítico do seu desenvolvimento e por frequentarem uma escola que deve responder com qualidade a essas necessidades. A área de EF tem de encontrar respostas inclusivas de todos os alunos, reveladoras do eclectismo das diferentes actividades ao nível das habilidades, comportamentos, atitudes e valores junto deles. Tal passa pela fundamental questão de TODAS as crianças de uma escola, de uma classe independentemente do seu sexo, idade, etnia, habilidade e/ou aptidão fruírem das práticas de AFD’s que contribuam para o seu desenvolvimento global. Distinguindo claramente aquilo que é a construção curricular da EF em cada escola do 1º CEB daquilo que é o “show off” para produção de imagens vistosas para a próxima edição da autarquia. Do nosso ponto de vista a EF das crianças portuguesas não pode ser um conjunto de actos efémeros, já que só a regularidade das práticas de AFD’s sustentam os benefícios em termos de qualidade de vida, saúde e bem estar. É fundamental que a natureza do enquadramento pedagógico-didáctico com carácter regular e sistemático se faça na escola do 1º CEB através dos seus próprios professores, com os enquadramentos que se considerem a cada momento mais ajustados.Num tempo de “pensamento único” sobre as práticas de AFD’s, em que surjam apenas valorizadas socialmente as realizadas ao mais alto nível competitivo por via das lutas de audiências (TV’s, rádios, portais de Internet), de tiragens (jornais, revistas), de clubites (SAD’s, transações de jogadores, empresários desportivos/dirigentes desportivos), importa salientar que Portugal tem das mais baixas taxas de vinculação desportiva da população (1). E que os benefícios das AFD’s advêm das suas práticas individuais e colectivas, por muitos milhões que se gastem em Portugal em bancadas de estádios e pavilhões...Porque nem sempre temos bem presente, a propósito das finalidades educativas da EF na escola do 1º CEB relembramos que “não é a prática do Pedro que serve o desenvolvimento da Ginástica” mas antes “a prática da Ginástica que deve servir o desenvolvimento do Pedro”...
(1) Portugal tem a valores de 1987 27% da sua população com vinculação desportiva. Trata-se de um dos valores mais baixos da Europa, longe dos 34% de Espanha, dos 74% da França, dos 77% da Suíça e da Alemanha. MARIVOET, S. (1998) In Aspectos Sociológicos do Desporto.
Autor do Artigo
Rui Neves
Departamento de Didáctica e Tecnologia Educativa da Universidade deAveiro
rneves@dte.ua.pt
Inf. sobre o artigo
Jornal "a Página"Nº 118
Ano 11 Dezembro 2002
Pag. 34
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