'Homeless' e Tchaikovsky...
Ser criativo, segundo alguns autores da moda com grande impacte social e político, no contexto da chamada sociedade do conhecimento, é um imperativo. Indivíduos e colectividades, nesta linha dominante de pensamento, têm na criatividade o ingrediente necessário para ultrapassar os complexos desafios competitivos da globalização. A cidade, magnífica expressão territorial da colectividade humana, tem sido um alvo privilegiado para dar corpo ao que se poderá designar por políticas e/ou estratégias de desenvolvimento urbano baseadas no potencial criativo. Na Europa há muitos exemplos disso (por exemplo Tampere, na Finlândia (http://www.luovatampere.fi/), com a aposta no fomento da criatividade para reforçar o tecido empresarial regional e, simultaneamente, melhorar a infra-estrutura de apoio à cultura e aumentar quantitativa e qualitativamente a oferta cultural). No entanto, foi na terceira maior cidade dos EUA, Chicago, onde encontrei a tansposição mais fiel para a praxis.
Numa urbe atormentada por lutas de gangues e por males sociais suburbanos como o forte abandono escolar ou o elevado desemprego ou emprego precário e mal pago, onde a pobreza dos 'Southsides' ou 'Eastsides' se confronta com o luxo dos grandiosos edifícios do centro, um vasto rol de iniciativas de política pública, com uma forte vertente 'criativa' tenta mitigar os problemas. Ensina-se música aos miúdos das famílias mais desfavorecidas, ocupam-se os seus tempos livres com actividades artísticas (contactei de perto com uma dessas iniciativas e achei fantástico: ver www.afterschoolmatters.org/), etc.. Paralelamente, equipa-se a cidade com infra-estruturas que não só apoiam estas actividades comunitárias, como também conferem acréscimos de qualidade de vida aos mais abonados. O Millenium Park (www.millenniumpark.org/) é disso um bom exemplo. Animação cultural, exposições, concertos gratuitos (de Sibelius à música do Mundo, passando pelo jazz e pelos blues) no pavilhão Jay Pritzker, projectado por Frank Gehry (o 'amigo' do Santana Lopes que desenhou o Guggenheim em Bilbao), etc..
Nas imediações do palco, num extenso relvado, vão-se instalando famílias inteiras, munidas de mesas, cadeiras, grades de cerveja, salsichas, chouricços e hamburgueres, grelhadores e frigoríficos portáteis. Nada melhor do que um hamburger gigante grelhado na hora e regado a "Goose Island" para ouvir a "Rainha Cativa" do compositor finlandês Sibelius...
A seguir a Sibelius veio Tchaikovsky. E com as obras do compositor russo veio uma metáfora do que é a cidade de Chicago e até do que é o tal país que é geralmente considerado como 'a maior democracia do Mundo'.
Uma sem-abrigo pousa o carrinho onde guarda os seus parcos pertences, senta-se e, lado a lado com milhares de 'fellow citizens', alguns deles assalariados dos imensos negócios que suportam as imensas fortunas que cobrem de mármore e ouro os não menos imensos edifícios do The Loop, desfruta do belo momento musical.
Cá para mim, a tal democracia só seria 'maior' se houvesse Tchaikovsky e não houvesse 'homeless'. Que as cidades 'criativas', seja lá o que isso for, possam contribuir não só para tornar as urbes mais competitivas mas, acima de tudo, mais justas!...
Cá para mim, a tal democracia só seria 'maior' se houvesse Tchaikovsky e não houvesse 'homeless'. Que as cidades 'criativas', seja lá o que isso for, possam contribuir não só para tornar as urbes mais competitivas mas, acima de tudo, mais justas!...
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