Fantástica democracia - BPP e trapalhadas
Crise. Os accionistas do Banco Privado Português estão disponíveis para contribuir com a sua parte para o plano de salvação da instituição, que está a ser preparado pelo Banco de Portugal, juntamente com outros seis bancos, cujo interesse é proteger os seus créditos deixando o risco para o EstadoJoão Rendeiro demite-se da liderança do bancoO encontro de ontem à noite entre os principais accionistas do Banco Privado Português (BPP) terminou com a renúncia de João Rendeiro à presidência da instituição e com a disponibilidade dos accionistas - nomeadamente Rendeiro, que permanece como tal - para acompanhar um provável aumento de capital, fundamental no plano de salvação da instituição. Isto porque mantêm-se as dúvidas sobre a qualidade das garantias a dar ao Estado para que este assuma o risco das injecções de liquidez no BPP que os seis bancos envolvidos na operação irão disponibilizar. O montante desta injecções deverá ser ligeiramente superior a 500 milhões de euros. Este dinheiro servirá para o BPP cobrir insuficiências de liquidez, quer nas linhas de crédito que estão a vencer, quer para pagar aos clientes que estão à espera de uma solução para resgatar os seus investimentos (bloqueados desde o início desta semana). A reviravolta da posição dos principais bancos portugueses - que há uma semana mostraram-se indisponíveis para "ajudar" o BPP - tem a ver com duas questões. Por um lado, dada a inexistência de risco para o sistema (assumida pelo próprio Governo), a única ameaça tem a ver com os créditos que o BPP tem junto dos principais bancos portugueses. Segundo apurou o DN, do total de 707 milhões de créditos, cerca de metade foi contraída no mercado português. Por outro lado, os bancos admitiram fazer parte da solução para o BPP - também pelas ligações comerciais que têm com alguns dos seus clientes - se o Estado assumisse o risco da operação. Soube o DN que a estrutura das injecções está definida de acordo com a dimensão dos bancos: o BCP e a CGD deverão avançar com 100 milhões cada, BES, Santander e BPI com 80 milhões e o restante será da responsabilidade da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo. Imbróglio jurídicoNeste momento, o plano está definido, mas falta dar-lhe um enquadramento legal. É que a lei das garantias do Estado só prevê 45 milhões de euros para o BPP, já que está indexado à quota de mercado de crédito. Embora seja ao abrigo dessa lei que os outros bancos vão financiar-se para contribuir para a solução do BPP, o Banco de Portugal terá de encontrar outra solução jurídica, já que o regime geral das instituições de crédito e sociedades financeiras não prevê que o Estado assuma os riscos de injecções de capital feitas por entidades privadas. Ou seja, no caso de o BPP falhar o pagamento dos 500 milhões injectados, será o Estado a assumir o risco de contraparte. O enquadramento jurídico desta operação pode mesmo, segundo apurou o DN, obrigar o Governo a legislar, provavelmente através de portaria. Os activos a dar como garantia são outro problema. É que, tendo em conta que o banco perdeu 500 milhões de euros em depósitos nas últimas semanas (os restantes 200 milhões estão bloqueados) sobra, como activos, o capital (daí a necessidade de o aumentar) e os veículos de investimento com participações no BCP, Brisa, Cimpor e Mota-Engil. Só que estes veículos perderam muito valor nos últimos meses, colocando uma dificuldade adicional ao Estado. Refira-se que, com a saída de Rendeiro, entrarão novos gestores na instituição. A Lusa avançava ontem que um deles pode ser Manuel Alves Monteiro, membro do conselho consultivo. Berardo pede "bom senso"Uma das questões que tem levantado algumas dúvidas prende-se com a eventualidade de o Estado assumir riscos para "salvar" más decisões de investimento dos gestores do BPP. Segundo apurou o DN, o banco conquistou clientes este ano com produtos de juros mais altos que a concorrência, a qual já procurava protecção da crise financeira em curso. O investidor Joe Berardo pediu "bom senso" e frisou ao DN que "os accionistas e gestores do BPP deviam ter tido cuidado com o que estavam a fazer. Não amealharam no Verão para sobreviver ao Inverno". Por isso, "o dinheiro dos contribuintes não deve ser usado para salvar grandes investidores. Se não também tem de salvar os pequenos". in Diário Notícias 29.11.2008.
Num tempo em que os euros saltaram debaixo do colchão e começaram a cair do céu, é verdadeiramente notável e fantástico o trabalho e esforço colocado ao serviço de salvar da bancarrota um banco com 3.000 clientes !!! Se tamanho empenho e abnegação fosse colocado ao serviço da captação de investimento, do combate ao desemprego, de luta contra a pobreza quão melhor seria este país. Esta "operação de engenharia político-jurídico-financeira" representa um bom exemplo de como a vontade de uma élite se sobrepõe ao interesse público, contra a própria legislação recentemente publicada. A democracia dos interesses sobrepõe-se mais uma vez à democracia política, em que todos devem ser tratados equitativamente. Aqui há 3.000 portugueses que recebem tratamento especial, porque o seu Banco Privado Português se meteu em trapalhadas, perdeu dinheiro e agora não há liberalismo que lhes valha, tendo que recorrer ao dinheiro de todos nós. Ao que isto chegou. O Estado sustenta financeira e juridicamente os bancos privados, fundados numa lógica assumida de gestão de fortunas e obviamente dirigido a um restrito grupo de cidadãos. No meio disto tudo o "figura de cera" mais bem pago do país, como (des)governador do Banco de Portugal ainda tem a distinta lata de vir para a praça pública dizer que o Banco de Portugal está há dois dias a estudar e a tratar da resolução deste problema. Mas desde quando a função de um BP é envolver-se na fuga à falência de bancos? Desde quando o BP se transforma em assessor técnico de um banco privado? Como é compreensível que o BP orgão regulador seja o tutor de soluções para evitar a falência de bancos? A que ficará obrigado amanhã o BP a fazer perante os outros bancos. Se não fosse um insulto à democracia, daria vontade de rir. Aqui chegados convirá relembrar que sobre Educação, Saúde e outras dimensões essenciais à dignidade humana e ao desenvolvimento sustentado da sociedade, o nível de escrutínio público é ao euro. Nestes casos de garantias bancárias, ajudas financeiras, injecção de capitais, apoios pontuais as questões colocam-se sempre em dezenas e centenas de milhões de euros...
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