segunda-feira, março 05, 2007

Nørrebro


Não faço ideia qual foi a cobertura dada pelos media portugueses aos recentes distúrbios ocorridos na capital do Reino de Margarida II, Copenhaga, numa das suas zonas mais pitorescas, a Nørrebro, não muito longe da Hovedbanegård (Estação Central), quase a espreitar a velha ruas das pegas e dos amantes de sensações ilegais, a Istegade, hoje transformada em zona de cafés e lojas de design. Mas eu, em mais uma visita de fim de semana a Copenhaga, as boas ligações ferroviárias entre as duas metrópoles escandinávas permitem estes desvaneios de alma, pude observar o acontecimento com uma certa proximidade. E tristeza, diga-se. Para se perceber o que está em causa, é necessário efectuar uma viagem ao passado, quando a Dinamarca era conhecida e admirada como sendo um país tolerante e aberto à experimentação social, cujo elemento mais visível foi Christiania (marcador www.christiania.org), uma zona de Copenhaga transformada desde os anos 60 em cidade comunitária, livre, autónoma de poderes e leis, orgulhosa da sua especificidade, antes de ser minada pelo tráfico de drogas e pela especulação imobiliária, lutando na actualidade pela sua sobrevivência. Até meados dos anos 80, quando pela primeira vez, vindo do Sul, cheguei a esta parte da Europa para sempre, Christiania era, de facto, um laboratório de tolerância e, em geral, apreciada pela população dinamarquesa, ela, própria, muito, digamos, anárquica, no que diz respeito à autoridade e à forma de comunicar com a mesma. Essa característica autócnone, de serem orgulhosos na sua rebeldia a tudo que possa demonstrar autoridade, é algo que está incutido na alma dinamarquesa desde sempre, desde as inúrmeras guerras com o vizinho alemão, a última correspondeu à ocupação nazi durante 4 anos, levando à consequente reserva à cultura germânica (ainda hoje, está vedada a possibilidade de um alemão poder comprar casa na Dinamarca...), à mais do que dúbia relação com a Europa e suas instituições, recordemo-nos do duplo não à moeda Euro, do não ao tratado de Masstricht e, como se fosse necessário ainda mais, de serem dos mais euro-cépticos dos europeus, quase que transforma os dinamarqueses em personagens parecidos com os gauleses de Goscinny (Asterix). Encontrando-se hoje em vias em extinção neste mundo globalizado, os filhos e netos desses dinamarqueses da tolerância de então, ao verem que o símbolo da sua "liberdade colectiva", a casa da juventude ocupada ilegalmente pelos mesmos a ser atacada pela polícia, conforme decisão judicial, responderam com a violência, destruindo bens e escolas (outro símbolo da autoridade). (In)conscientemente, estavam, ao mesmo tempo, a destruir a sua própria génese e o apoio que até então tinham do comum dos cidadãos. É aqui, no uso da violência pela violência, gratuita e bárbara, da não aceitação do sistema e da convivência democrática, que enfureceu a maioria dos dinamarqueses, nada simpatizantes com a transformacão da sua cidade em Beirute e a internacionalizacão da violência pelos BZ (okupas dinamarqueses a que se juntaram suecos e alemães). Dias quentes, estes em Copenhaga, sinónimo de um país em profunda transformação. De país tolerante, simpático, ecológico, com as suas bicicletas a pintar a paisagem, a Dinamarca tem vindo nos últimos anos, desde a subida ao poder dos conservadores apoiados por um partido de extrema-direita, a transformar-se num país com características xenófobas, quase que renegando a sua história. Mas, isso, é para outra altura.

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